OUTROS AUTORES - Flávia Maria Mesquita

O NOVO – E OS PEQUENOS HÁBITOS
Por Flávia Maria Mesquita


Muito se pensa a respeito do novo. Muito se fala de renovação. Mesmo que esse pensamento passeie pela mente das pessoas, mesmo que esteja na ponta da língua, resta saber se com a constante repetição da palavra, o conceito também se firmou.

A definição de novo, num dicionário comum, é a qualidade daquilo que ainda não foi usado, não estreado, do que é original, ou visto pela primeira vez, entre outras muitas definições. Essas definições são suficientes para ilustrar uma pequena alegoria que quero usar. 

Eu ainda quero acrescentar a elas a ideia de que no verdadeiramente novo nunca existe nada do velho, como é fácil confirmar por exemplo, quando compramos um sapato novo. Ele não traz em si, na sua composição, nenhum pedacinho do sapato velho que vamos descartar. O couro é novo, a sola é nova, tudo nele atende a definição citada acima por ser uma coisa que nunca foi usada antes.

Pode parecer muito tola essa alegoria, mas eu quero insistir nela. Comprar sapatos novos é uma coisa que tudo mundo já fez um dia e será fácil acompanhar o pensamento.

Aquele sapato que vamos descartar, tem agora o formato dos nossos pés, compreende e se sujeita a nossa pisada. Anda conosco da maneira que escolhemos andar por essa vida: vigorosos ou delicados, com desvios ou calosidades. Foi laceando conforme o tempo. Criou, naquele pequeno espaço de couro, lugar para todo nosso estilo de vida.

Com um sapato novo é diferente! Um sapato novo, tem um formato próprio. É exigente. A sola é firme, o couro é rijo. Vamos ter que usá-lo algumas vezes antes de senti-lo confortável. Não é incomum que compremos um sapato que, tempos depois, se mostra impossível de ser usado. Porque não se deixou amaciar.

E é essa a característica principal do novo em minha opinião. O novo tem um formato próprio. Não se submete a nossa vontade. Não se amolda conforme os passos que queremos dar. Está completamente configurado para uma nova estrutura de vida, baseada nas leis da natureza que também regem o viver humano. É completamente fiel a elas.

Mas sempre queremos impor nossos maus costumes, nossos calos, ou nossa maneira de pisar nos caminhos de nossas vidas, não é mesmo? Tentamos investir em novas ideias, numa nova vida, mas não queremos deixar alguns pequenos hábitos, porque achamos que eles são pequenos demais pra fazer alguma diferença no resultado. Inconscientemente, para que fique tão cômodo quanto nossa velha maneira de viver, tentamos amaciar o novo, para que caminhe conosco, e não nós com ele.

Eu tenho um pequeno exemplo a esse respeito que acho que pode ilustrar um pouco mais essa ideia: recentemente, conversando com amigos, expus meu pensamento de que seria uma coisa muito saudável dormirmos cedo. Existem estudos bem profundos sobre o sono hoje em dia que confirmam sua importância para todo o funcionamento do corpo. Entretanto, meu enfoque era mais profundo, de caráter espiritual.

Uma boa noite de sono, quer dizer, não somente dormir bastante ou horas suficientes,  mas especialmente deitar-se numa hora adequada, por exemplo até as nove ou dez horas da noite, além de elaborar nossas trocas celulares e produções hormonais, organiza nossas energias e alimenta nosso espírito.

Em outras palavras, todas essas funções físicas, quando bem elaboradas, ajudam a reestruturar nossa aura, que tem a função de nos proporcionar proteção para o dia. Todos esses fenômenos não se dão tão bem se, por exemplo, dormirmos muitas horas durante o dia, ou acordarmos em horas avançadas da manhã. Em tempos remotos, as sociedades humanas organizavam suas vidas pelo tempo da natureza: trabalhavam de dia, dormiam à noite. Os animais também vivem dessa maneira, com exceção de alguns de espécie noturna.

Mas tudo isso, todo esse saber cai por terra quando uma pessoa se assume um notívago. Ou quando ela usa de todos os argumentos para justificar seu hábito de sempre ir dormir tarde. E aí, uma fileira enorme de justificativas parece ter força suficiente para validar o velho que nos calça tão confortavelmente. Cada um quer colocar no novo, sua própria pisada, sua maneira de ser.

Uma das maneiras de realizar o novo está em obedecer ao novo. Mas não uma obediência cega, ou um modismo, que não se sabe de onde vem nem onde exatamente quer chegar, mas uma voluntária decisão pelo que não é comum, pelo que não é convencional, pelo que não foi ainda estabelecido pela sociedade. Vivenciar novos hábitos, quer dizer, hábitos não usados, que se olharmos bem, não têm nada de novos, se pudermos compreender o movimento da natureza, nossa mãe e mestra.

Cada um pode escolher livremente como quer levar sua vida diária. No entanto, uma nova vida espiritual clama por novas posturas e um pouco de desapego para poder acontecer. Se não escolhermos um novo formato para nossas vidas, novos pequenos e melhores hábitos, não vamos poder participar das recompensas que só o novo pode trazer.


O verdadeiramente novo não se deixa moldar pelas ideias da modernidade, porque tem, na sua plataforma, o reflexo das leis que regem a vida humana. Entender isso, abre muitas portas para aqueles que o desejam sinceramente.

Um comentário: